1º manifesto homossexual português publicado logo após a Revolução dos Cravos


1º manifesto homossexual português publicado logo após a Revolução dos Cravos

Lembranças de…
Isabel Freire

Data
Agosto 2016

O manifesto «Liberdade para as Minorias Sexuais» é publicado imediatamente após a revolução do 25 de Abril de 1974, no Diário de Lisboa e no Diário Popular, pelo então recém-criado Movimento de Ação Homossexual Revolucionária (MAHR), que contava com António Serzedelo (Opus Gay) entre os seus fundadores. O texto – pioneiro e polémico – reivindicava direitos de cidadania para os portugueses homossexuais, à época «vítimas da mais autoritária repressão jurídica e social» (Diário de Lisboa, 13 de Maio de 1974).

 

O Movimento de Ação Homossexual Revolucionária reclama desde logo a possibilidade de gays e lésbicas participarem em movimentos políticos neste momento de ‘euforia’ que foi a transição da ditadura para a democracia. Além disso, solicita às autoridades e ao povo português a descriminalização da homossexualidade: «abolição imediata do art. 71, n.° 4 do Código Penal, que reputa, ambiguamente, de passíveis de medidas de segurança as práticas homossexuais». Reivindica também a possibilidade jurídica de contestar os «actos de chantagem, extorsão e perseguição» a que muitos homossexuais estavam sujeitos na altura. E demanda abertamente a «livre prática homossexual», a «livre reunião de núcleos homossexuais», a participação em órgãos informativos (para esclarecimento sobre liberdade homossexual masculina e feminina) e a não descriminação das práticas homossexuais nas ações sobre educação sexual que se viessem a realizar nas escolas.

 

A terminar, o manifesto deixa vivas à homossexualidade e vivas à revolução, relacionando liberdade política e sexual, e atribuindo ao 25 de Abril de 1974 a possibilidade de colocar um ponto final na marginalização e discriminação de minorias sexuais.

 

Que impacto imediato tem o manifesto do MAHR? António Serzedelo, um dos seis autores do documento, lembra que foi ‘bombardeado’ pelo general Galvão de Melo, da Junta de Salvação Nacional, num comunicado lido na RTP. Alegava-se que o 25 de Abril não se tinha feito para os homossexuais reivindicarem.

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Em 1974, a homossexualidade permanecia uma doença ou perversão na sociedade portuguesa, muito embora diversas vozes, nomeadamente a de Afonso de Albuquerque, psiquiatra fundador da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, viesse há já alguns anos divulgando e defendendo uma nova visão, despatologizante das vivências homossexuais.

 

No artigo “Uma introdução à Psicologia da Sexualidade”, publicado em 1970 na revista O Tempo e o Modo, Albuquerque defende que deve abandonar-se a expressão “perversão”. Gays e lésbicas deveriam ser vistos – isso sim! – como “minorias eróticas”, expressão proposta por Lars Ullerstam num livro com o mesmo título, publicado em 1967. Baseando-se na perspetiva de Ullerstam, Albuquerque defendia em 1970 uma inversão de ponto de vista na forma de os terapeutas encararem a homossexualidade:

 

[…] se muitos deles apresentam sintomas neuróticos é porque vivem num meio hostil e são obrigados a controlar, dia e noite, os seus menores gestos. Ullerstam insurge-se com agudeza contra aqueles que considera os piores inimigos dessas minorias eróticas: os psicanalistas e aparentados, que os defendem como doentes mentais, psicopatas ou pervertidos […] (Albuquerque 1970).

 

Quando a Revolução dos Cravos tem lugar em Portugal, a homossexualidade havia já sido retirada há um ano do DSM da APA (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria). Mas seria necessário esperar até 1982, para que se deixasse de criminalizar as práticas homossexuais no nosso país, quando praticadas entre adultos, livremente e de forma recatada, como se vem a explicitar na revisão do Código Penal desse ano.