A vulnerabilidade das mulheres que vivem com VIH


A vulnerabilidade das mulheres que vivem com VIH

Uma reflexão de…
Isabel Nunes, fundadora e presidente da Direção da SERES (com) viver com o VIH, primeira e única associação de/para mulheres infetadas e afetadas pelo VIH em Portugal.

 

Percurso 
Licenciada em Sociologia do Trabalho, mestre em SIDA (com a dissertação em Qualidade de Vida em Mulheres seropositivas ao VIH: autoestima, imagem percecionada e relações sociais). Ativista pela capacitação e visibilidade das mulheres que vivem com o VIH, sua prevenção, e combate ao estigma associado, em organizações nacionais e internacionais (como ICW, Wecare+).

 

Contactos
Unidas para uma vida mais justa, equitativa e com qualidade onde as mulheres com VIH têm recursos, voz, escolha e oportunidades. Contactos Skype: isabel.seres * Tm.: 965032071 | 965030788 | 965029523 | 969111090 * e-mail: isabelcn@gmail.com * Facebook * Issuu * Campanha Mais informação Menos Preconceito, no Facebook

Data
28 de Maio de 2018

 

 

A epidemia do vírus da imunodeficiência humana (VIH) exacerba as persistentes desigualdades de género e as violações de direitos humanos presentes em todas as sociedades. Estas injustiças continuam a colocar as mulheres e as jovens em grande risco, tanto em termos de transmissão do VIH como de acesso ao tratamento e cuidados. Acrescenta-se que as mulheres e as jovens deparam-se com fatores interrelacionados e difíceis de resolver de natureza biológica, sociocultural, económica, legal e política que aumentam a sua vulnerabilidade em relação à saúde e bem-estar.

Em Portugal apesar da tendência decrescente dos novos casos de infeção por VIH, em 2016 as mulheres representam 28.5% dos novos diagnósticos, o modo de transmissão predominante é sexual (93.5%), e na categoria heterossexual 47% são mulheres. Portugal continua a apresentar uma das taxas mais elevadas de novos diagnósticos de VIH na União Europeia[1].

A estatística revela vulnerabilidades específicas da mulher – as diferenças biológicas entre mulheres e homens são óbvias, mas a par destas existem as diferenças sociais, de atitudes e comportamentos. As desigualdades, as perceções individuais e sociais que geram comportamentos ligados a conceitos do que é próprio do feminino e do masculino.

Nos fatores biológicos de salientar que as mulheres são duas a cinco vezes mais vulneráveis à infeção ao VIH, numa relação desprotegida, do que os homens. A extensão da superfície exposta e o tempo de exposição é maior: a mucosa vaginal é uma superfície bastante alargada (com mais riscos de microlesões e onde o esperma pode permanecer mais tempo); o esperma contém dez vezes mais vírus do que as secreções vaginais; os riscos são aumentados em situação de infeção genital assim como no ciclo de vida da mulher (durante a menstruação, gravidez, adolescência e menopausa).

As normas de género, no contexto da epidemia do VIH, influenciam os comportamentos de risco, a expressão da sexualidade, a vulnerabilidade à infeção ao VIH e o seu impacto, a incorporação da informação preventiva em comportamentos protetores e mesmo na sua relação com o VIH – no tratamento e apoio social.

Aos aspetos culturais associam-se os fatores socioeconómicos que revelam um risco mais elevado de pobreza na mulher e uma maior dependência económica. O desequilíbrio de poder nas relações, a reduzida autoestima e o subsequente diminuto poder de negociação conduzem a condutas sexuais de risco assim como a uma maior suscetibilidade à violência sexual e/ou à coerção a uma prática de sexo não seguro.

Na mulher seropositiva a vivência com o VIH, descrita nas 35 biografias que compõem o livro ‘Poderia ser eu’, revela que esta é condicionada pela gestão de conflitos internos: medo do abandono pelos parceiros, o medo da revelação não desejada, o receio dos efeitos secundários, o medo da discriminação, estigma e da violência, o medo de infetar as/os filhas/os e parceiros e a necessidade de segurança, de apoio, de intimidade, amor e eventualmente filhas/os. Às vulnerabilidades específicas da mulher soma o carácter de doença crónica que condiciona a sua qualidade de vida. Este livro faz referência a relatos de vidas, de Mulheres que poderiam ser a sua mãe, a sua irmã, a sua vizinha, a sua namorada, a sua parceira, a sua colega. Mulheres exatamente iguais a qualquer outra, exceto que estão a viver com VIH. Um vírus que não escolhe sexo, orientação sexual, religião, estatuto social ou económico…

A Seres (con) viver com o VIH conta com a força e energia das suas membras para desenvolver um trabalho pioneiro em Portugal de ativismo, formação/capacitação, de prevenção e intervenção social no sentido de dar voz e visibilidade às mulheres que vivem com o VIH assim como quebrar o silêncio, romper com o autoestigma e com as barreiras que impedem as mulheres que vivem com o VIH de viverem plenamente.

Há quase vinte anos (desde 2005), que a Seres (con) viver com o VIH tem liderado a resposta ao VIH na perspetiva da mulher em Portugal no sentido de capacitar as mulheres que vivem com VIH, a nível nacional (Porto, Matosinhos, Fundão, Coimbra, Lisboa, Algarve), dando-lhes ferramentas, tornando-as mais fortes para intervirem na comunidade onde se inserem nomeadamente na replicação do programa SHE (financiado pela BMS, Gilead e ViiV), na criação de grupos de autoajuda, na prestação de apoio individualizado na consulta hospitalar; de promover a sua visibilidade através da publicação de um livro sobre biografias de mulheres que vivem com o VIH, da nossa campanha #Poderiasereu com mais de 100.000 pessoas alcançadas (financiado pela Gilead), da campanha #MaisInformaçãoMenosPreconceito (apoiada pela SECI e com mais de 75.000 pessoas alcançadas), da celebração do 1 de dezembro 2015 com campanha de prevenção mobilizado pelas nossas associadas; de promover os seus direitos com apresentação de declaração sobre o VIH e a Mulher aos grupos parlamentares, da Revisão Periódica Universal apresentado nas Nações Unidas, na participação no maior questionário sobre VIH e a mulher (que envolveu 94 países e 945 mulheres com VIH), entre muitos outras….

[1] INSA, Infeção VIH/SIDA: a situação em _Portugal a 31 de dezembro de 2016. Disponível em http://hdl.handle.net/10400.18/4846