“Não se fala ainda sobre a sexualidade da mulher com endometriose”


“Não se fala ainda sobre a sexualidade da mulher com endometriose”

Uma reflexão de…
Susana Fonseca, Presidente da Direção da Mulherendo, Associação Portuguesa de Apoio à Mulher com Endometriose

Percurso
A Associação Portuguesa de Apoio a Mulheres com Endometriose pretende promover e fomentar o apoio, a reabilitação e/ou recuperação física e psicológica da mulher com Endometriose.

 

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Data
31 de Maio de 2018

Sendo a Endometriose uma das doenças ginecológicas mais comuns na mulher em idade reprodutiva, seria expectável que fosse também uma das patologias mais estudadas e melhor compreendidas. Contudo, e embora os últimos anos tenham sido ricos em estudos, havendo já um avanço significativo na compreensão da patologia, há ainda um longo caminho a ser percorrido para que as pacientes tenham respostas efetivas para todas as vertentes da sua vida afetadas pela patologia. É cada vez mais consensual que o tratamento eficaz desta doença passa por equipas multidisciplinares que trabalhem em parceria, e que analisem a paciente como um todo.

Hoje já se sabe o que é a Endometriose. Já se fala de Endometriose e já se percebe um pouco mais sobre o universo obscuro que é toda esta patologia. Mas há ainda algumas partes que ficam esquecidas e escondidas na penumbra e às quais, no meio de quadros clínicos tantas vezes negros, ninguém dá o devido valor.

Não se fala ainda sobre a sexualidade da mulher com Endometriose. E há tanto para falar. Há tanto para perceber. A Dispareunia é real e muito comum em portadoras de Endometriose, mas a paciente pensa que o problema será só dela. E como na maioria das vezes ninguém a alertou para esta realidade, a vergonha, o medo e a insegurança impedem-na de pedir ajuda num campo demasiadamente sensível e tão íntimo. Começa aqui mais uma bola de neve. No fundo, para além da Endometriose, ninguém mais tem culpa, mas é inevitável a mulher carregar esse peso. E carrega-o muitas vezes sozinha. Em contrapartida, o companheiro pensa que o problema é com ele. O casal pensa e vai pensando, muitas vezes em silêncio e sem diálogo, e os meses vão passando. Nada melhora. E um problema que já por si é gigantesco e avassalador leva a rupturas conjugais irreversíveis.

[….] é cada vez mais consensual que o tratamento eficaz desta doença passa por equipas multidisciplinares que trabalhem em parceria, e que analisem a paciente como um todo

Como se todo o quadro clínico associado a esta patologia não fosse o bastante, são muitas as vezes em que ter Endometriose é sinónimo de simplesmente não ter uma vida sexual ativa ou minimamente satisfatória. Infelizmente, uma grande percentagem das mulheres com Endometriose sente dor na penetração e não consegue atingir o orgasmo. Embora associados à existência da patologia, os motivos para situações como esta podem ser variados. A maioria das pacientes vê-se presa, por indicação médica, à toma de contraceptivo hormonal que, embora lhes alivie a restante sintomatologia associada à doença, em muitos casos provoca secura vaginal e inibição da líbido. Quando a mulher apresenta estes sintomas a probabilidade de sentir dor na penetração é elevada. Se a isto ainda juntarmos endometriose no septo retovaginal ou nos ligamentos Utero-sagrados, todo o quadro de dor piora e a penetração pode mesmo ser inexistente, uma vez que, por tudo isto, ocorrerá contração dos músculos ao redor da vagina. Mesmo com o uso de lubrificantes ou de anestésico local esta situação verifica-se, e apesar de o quadro de dor poder ser menos intenso no momento, a probabilidade de dor localizada após a relação é mais elevada.

Quando esta primeira barreira é transposta e ocorre uma penetração profunda, são também muitos os casos de dor aguda localizada, mais predominante em algumas posições. Esta dor pode manter-se durante algumas horas após a relação sexual e há relatos de pacientes que a mantém por 48h. Ocorre ainda, com alguma frequência, a perda de sangue durante ou após a relação. Este sintoma poderá estar relacionado com a inflamação e extrema sensibilidade do tecido uterino.

Com a ocorrência de todos estes sintomas, começa a verificar-se um menor número de relações sexuais ou mesmo o evitamento destas, devido ao medo de dor no momento do coito ou a sentimentos de culpa perante o parceiro. A um quadro de dor física real e extremamente doloroso, facilmente se começam a juntar componentes psicológicos que vão piorar não só o quadro físico, como toda a relação da mulher com ela mesma, com o seu corpo, com a sua doença e com o parceiro. Por tudo isto, é urgente o acompanhamento clínico da paciente numa equipa multidisciplinar onde, para além do ginecologista (que trata e acompanha a parte física mais diretamente ligada com a Endometriose) estejam integrados psicólogos, fisioterapeutas e nutricionistas para ajudar em todas as questões adjacentes que a doença comporta, nomeadamente a dispareunia.

O casal pensa e vai pensando, muitas vezes em silêncio e sem diálogo, e os meses vão passando. Nada melhora. E um problema que já por si é gigantesco e avassalador leva a rupturas conjugais irreversíveis

A fisioterapia é de extrema importância na dispareunia, e no tratamento da Endometriose de forma global, uma vez que detém recursos físicos e manuais para o alívio da sintomatologia. O fisioterapeuta, especializado na área da Fisioterapia Pélvica, através de terapia manual, exercícios perineais e terapia comportamental consegue melhorar todo o quadro de sintomatologia e transmitir à mulher ferramentas imprescindíveis que a vão ajudar no seu dia a dia, melhorando toda a sua vida sexual.

É urgente falar mais sobre esta dimensão da Endometriose, de forma a que a paciente não se sinta sozinha, e é de extrema importância que esta não se iniba de partilhar a sintomatologia com o profissional que a acompanha no tratamento da doença, cabendo ao mesmo apoiar e encaminhar a paciente para outras especialidades que a possam ajudar a ultrapassar a dispareunia consequente da doença.