Comportamento Sexual Compulsivo


Comportamento Sexual Compulsivo

De acordo com a última edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), da Organização Mundial de Saúde, a perturbação do comportamento sexual compulsivo (PCSC), inserida nos transtornos de controlo de impulsos, é caraterizada por uma incapacidade persistente em controlar os impulsos sexuais intensos e repetitivos, resultando em comportamentos sexuais recorrentes, com uma duração mínima de 6 meses. Estas atividades sexuais frequentes podem levar à negligência de outros aspetos da vida, podendo ocorrer numerosos esforços fracassados para reduzir estes sintomas. Este padrão deve provocar angústia acentuada ou uma deterioração significativa na esfera pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional, ou outras esferas importantes do bom funcionamento individual. Sublinha-se que, caso o sofrimento seja inteiramente relacionado com julgamentos morais ou desaprovação, ele não será suficiente para que o indivíduo seja diagnosticado com a perturbação. A sintomatologia não deve ser causada por outra condição médica, pelo efeito de um fármaco ou pelo consumo de substâncias psicoativas(Organização Mundial de Saúde, 2018). Estes comportamentos podem incluir masturbação, múltiplos parceiros/as sexuais, uso persistente de pornografia, prática de sexo inseguro, cibersexo e encontros com profissionais do sexo de forma compulsiva. A definição desta perturbação e da sua natureza não tem sido consensual. São vários os termos utilizados para a descrever, tais como hipersexualidade, desejo sexual excessivo ou adição sexual. Alguma literatura tem-se referido a este transtorno como uma perturbação obsessiva compulsiva, considerando a existência de pensamentos intrusivos que levam a compulsões, neste caso comportamentos sexuais repetitivos, com o objetivo de dissipar o malestar gerado pelas obsessões. Tem sido também amplamente disseminada a ideia de que esta será uma perturbação aditiva, caraterizada pela escalada de comportamentos, sintomas de craving e de abstinência, bem como disfuncionalidade na gestão do tempo e atividades quotidianas, com dificuldade em reduzir ou parar as atividades sexuais. A evidência científica recente não sustenta a existência de “adição sexual”, diagnóstico que foi rejeitado pela OMS e pela DSM-5. Muitas das pessoas que procuram apoio psicoterapêutico não cumprem os critérios de diagnóstico proposto pela CID-11, sendo que o seu sofrimento deve continuar a merecer atenção. Frequentemente, procuram este apoio devido ao mal-estar psicológico que apresentam, e que poderá manifestar-se de diversas formas, como, por exemplo, através de sintomatologia depressiva e/ou ansiosa ou consumo de substâncias. As queixas apresentadas deverão ser formuladas como sintomas que refletem problemáticas subjacentes, para as quais existem modelos de intervenção psicoterapêutica e psicossexual, devendo evitar-se a patologização destes comportamentos sexuais. Numa primeira fase de avaliação é importante a realização de um diagnóstico diferencial, que permita distinguir entre comorbilidades e outros transtornos que tenham o comportamento sexual compulsivo como sintoma, tais como algumas perturbações neuropsiquiátricas. Atualmente, existem modelos psicoterapêuticos integrativos e sex-positive que poderão nortear a prática clínica, como é o caso do modelo de Braun-Harvey e Vigorito (2016) ou do modelo das três fases de Silva Neves (2021). Os modelos de intervenção baseados no conceito de adição sexual são tendencialmente problemáticos, uma vez que encorajam o evitamento sistemático de estímulos sexuais como forma de atenuar os comportamentos sexuais, levando à repressão de aspetos saudáveis e fundamentais da sexualidade humana. O conhecimento sobre o Modelo de Controlo Dual (Bancroft & Janssen, 2009) poderá ajudar numa fase de psicoeducação. Embora de forma muito simplificada, enquadrar as dificuldades apresentadas como resultantes do equilíbrio de mecanismos neurofisiológicos de excitação e de inibição sexual, poderá ajudar a uma maior compreensão por parte do/a cliente. A este propósito, fará sentido consultar as Escalas de Inibição Sexual e Excitação Sexual, validadas para a população portuguesa (Quinta Gomes et al. 2018). Ainda no que diz respeito à intervenção, poderá ser necessário a articulação entre várias especialidades médicas, e o recurso a diversas abordagens psicoterapêuticas, nomeadamente terapia individual e terapia de casal ou familiar, dado o impacto negativo que esta perturbação tem nos relacionamentos interpessoais.

 

Abaixo deixamos alguns documentos de acesso aberto, que poderão ser úteis:

ICD-11 for Mortality and Morbidity Statistics (who.int)

ICD-11 for Mortality and Morbidity Statistics (who.int)

AASECT Position on Sex Addiction | AASECT:: American Association of Sexuality Educators, Counselors and Therapists

AASECT Position on Sex Addiction | AASECT:: American Association of Sexuality Educators, Counselors and Therapists

Bőthe, B., Koós, M., Nagy, L., Kraus, S. W., Demetrovics, Z., Potenza, M. N., …Vaillancourt-Morel, M-P. (submitted). Compulsive sexual behavior disorder in 43 countries: Insights from the International Sex Survey and introduction of standardized assessment tools. Lancet Psychiatry.

https://osf.io/4yfrz/?view_only=bd924feb5d8b4829a3058f4e81a726ea

Hypersexuality and High Sexual Desire: Exploring the Structure of Problematic Sexuality | The Journal of Sexual Medicine | Oxford Academic (oup.com)

Hypersexuality and High Sexual Desire: Exploring the Structure of Problematic Sexuality | The Journal of Sexual Medicine | Oxford Academic (oup.com)

Prause et al. (2017). Data do not support sex as addictive. The Lancet. Correspondence, 4 [Available Online]: www.thelancet.com/psychiatry

Quinta Gomes, A.L., Janssen, E., Santos-Iglesias, P., Pinto-Gouveia, J., Fonseca, L.M., & Nobre, P.J. (2018) Validation of the Sexual Inhibition and Sexual Excitation Scales (SIS/SES) in Portugal: Assessing Gender Differences and Predictors of Sexual Functioning, Archives of Sexual Behaviour, 47, 1721-1732. https://doi.org/10.1007/s10508-017-1137-8

 

Bibliografia utilizada de acesso restrito

Bancroft, J., Graham, C. A., Janssen, E., & Sanders, S. A. (2009). The dual control model: Current status and future directions. Journal of sex research, 46(2-3), 121-142. Braun-Harvey, D. and

Vigorito, A.M. (2016). Treating out of control sexual behavior: rethinking sex addiction. New York: Springer Publishing Company.

Neves, S. (2021). Compulsive Sexual Behaviours: A Psycho-Sexual Treatment Guide for Clinicians. New York, NY, Abingdon, Oxon: Routledge, Taylor & Francis