O exercício da sexologia clínica resulta de um ato de responsabilidade e deverá, portanto, ser balizado na evidência científica. A consulta periódica de diretrizes clínicas e de padrões de boas práticas fundamentadas na literatura é um exercício que visa garantir a qualidade e eficácia das práticas em sexologia, salvaguardando os direitos fundamentais de quem procura ajuda.
Neste sentido, a SPSC procura triar, no panorama nacional e internacional, exemplos de diretrizes e boas práticas, por forma a organizar uma plataforma em acesso aberto para todos aqueles que procuram apoio no exercício da sexologia clínica.
Este apoio não substitui os diferentes contextos de formação em sexologia clínica.
A ejaculação resulta de um processo complexo mediado por fatores neurofisiológicos e hormonais e, por vezes, condicionado por fatores psicológicos e comportamentais. O conjunto das perturbações do orgasmo (e.g., ejaculação prematura, ejaculação retrógrada, anorgasmia) resulta frequentemente em menor qualidade de vida, incluindo repercussões na saúde mental do indivíduo e no bem-estar entre parceiros. A classificação destas entidades é ainda controversa, mas existe consenso sobre os principais fatores de risco, manutenção, bem como acerca dos algoritmos a seguir para um tratamento de maior qualidade.
Neste contexto, a Associação Europeia de Urologia, organizou e reviu a evidência, seja médica, seja psicológica, no que respeita aos principais fatores etiológicos e de manutenção das perturbações da ejaculação, providenciando diretrizes e orientações para tomada de decisão clínica. Os leitores podem encontrar recomendações precisas, acompanhadas de uma avaliação de qualidade, i.e., variando entre recomendações solidamente apoiadas por evidência empírica, até recomendações com (ainda) parca evidência.
https://uroweb.org/guidelines/sexual-and-reproductive-health/chapter/disorders-of-ejaculation.
A perturbação da excitação genital persistente é pouco abordada no âmbito das formações em sexologia clínica ou mesmo no contexto da literatura científica. Esta entidade caracteriza-se pela sensação persistente e por vezes ininterrupta de sensações genitais vistas como intrusivas e causando distress significativo. Apesar da investigação na área ter sido feita de forma pausada, existe já um corpo empírico capaz de orientar acerca dos fatores etiológicos e de manutenção da mesma, incluindo mecanismos de ordem neurofisiológica e psicológica.
Paralelamente, a nomenclatura clínica tem evoluído no sentido de melhor captar a constelação sintomática apresentada pelos indivíduos. A atual proposta de disestesia genito-pélvica apresenta-se mais inclusiva, espelhando uma visão biopsicossocial acerca de uma condição que afeta homens e mulheres, atingindo faixas etárias bastante jovens.
Neste contexto, foi desenvolvido um conjunto de orientações clínicas, seja para diagnóstico, seja para intervenção, e que são atualmente balizadas em algumas propostas de modelos conceptuais e, sobretudo, que privilegiam a interseção de diferentes especialidades clínicas. Estas orientações foram reunidas no âmbito de uma task force tutelada pela Sociedade Internacional para o Estudo da Saúde Sexual das Mulheres. Para uma leitura compreensiva e verificação dos níveis de evidência das diretrizes poderá consultar
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1743609521001752?via%3Dihub.
A disfunção erétil apresenta uma prevalência expressiva, sendo frequentemente abordada do ponto de vista médico. Contudo, diversos modelos de conceptualização clínica apontam para a interseção de aspetos orgânicos e psicossociais na sua etiologia e/ou manutenção, enfatizando, ainda, o papel das dimensões psicossociais na adesão ao tratamento médico.
Ainda que a investigação sobre a eficácia da abordagem psicossocial, i.e., aquela que considera a inclusão de fatores psicológicos, socioculturais ou relacionais, seja menor que a investigação acerca dos fatores médicos, existe um corpo teórico e empírico que permite suportar linhas de ação (avaliação e intervenção) no tratamento da disfunção erétil à luz desta visão holística.
Neste contexto, a Sociedade Europeia de Medicina Sexual emitiu, em 2021, um relatório com os consensos europeus acerca desta temática, e que configuram uma tentativa de organizar o conhecimento relevante até à data, devolvendo o mesmo a partir de orientações clínicas suportadas em níveis de evidência. O documento pode ser consultado aqui :
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2050116121001148?via%3Dihub.
O desejo sexual é considerado uma fase da resposta sexual. É uma experiência subjetiva que pode motivar, ou não, a atividade sexual e comporta aspetos biopsicossociais. A diminuição de desejo e/ou a discrepância ao nível do desejo e frequência sexual entre elementos de um casal é uma fonte de sofrimento e de conflito nas relações românticas e sexuais.
A diminuição do desejo é fruto da interdependência de vários fatores e pode estar associada a marcadores biológicos, a comorbidades clínicas como a depressão e a ansiedade, ao stresse quotidiano, aos papéis e desigualdades de género, ao conflito diádico, à falta de novidade na relação, entre outros.
Para uma revisão dos tratamentos e intervenções atuais relacionadas com desejo sexual baixo ou discrepante podem ser consultados os links abaixo.
https://link.springer.com/article/10.1007/s11930-018-0171-4
https://academic.oup.com/smoa/article/8/2/121/6956574?login=false
O prazer sexual implica aspetos físicos, cognitivos, emocionais e sociais e é uma componente essencial da saúde sexual. As pessoas podem obter prazer de forma solitária, como na masturbação ou nos pensamentos sexuais, ou partilhada, quando as experiências incluem outra pessoa. A satisfação sexual resulta da avaliação subjetiva dos aspetos positivos e negativos das relações sexuais e pode estar relacionada com os aspetos anteriores e outros, da resposta sexual.
Muitas vezes a gestão da disfunção sexual pode passar pela promoção em consulta do prazer e da satisfação sexual através da psicoeducação e enquadramento positivo da sexualidade, treino de assertividade e de outras competências de comunicação, aprendizagem de técnicas sexuais específicas, e da ampliação geral do repertório sexual.
A declaração sobre prazer sexual da Organização Mundial de Saúde Sexual encontra-se abaixo, bem como sugestões de exercícios com vista à promoção do prazer em contexto de grupo.
https://worldsexualhealth.net/resources/declaration-on-sexual-pleasure/
De acordo com a última edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), da Organização Mundial de Saúde, a perturbação do comportamento sexual compulsivo (PCSC), inserida nos transtornos de controlo de impulsos, é caraterizada por uma incapacidade persistente em controlar os impulsos sexuais intensos e repetitivos, resultando em comportamentos sexuais recorrentes, com uma duração mínima de 6 meses. Estas atividades sexuais frequentes podem levar à negligência de outros aspetos da vida, podendo ocorrer numerosos esforços fracassados para reduzir estes sintomas. Este padrão deve provocar angústia acentuada ou uma deterioração significativa na esfera pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional, ou outras esferas importantes do bom funcionamento individual. Sublinha-se que, caso o sofrimento seja inteiramente relacionado com julgamentos morais ou desaprovação, ele não será suficiente para que o indivíduo seja diagnosticado com a perturbação. A sintomatologia não deve ser causada por outra condição médica, pelo efeito de um fármaco ou pelo consumo de substâncias psicoativas(Organização Mundial de Saúde, 2018). Estes comportamentos podem incluir masturbação, múltiplos parceiros/as sexuais, uso persistente de pornografia, prática de sexo inseguro, cibersexo e encontros com profissionais do sexo de forma compulsiva. A definição desta perturbação e da sua natureza não tem sido consensual. São vários os termos utilizados para a descrever, tais como hipersexualidade, desejo sexual excessivo ou adição sexual. Alguma literatura tem-se referido a este transtorno como uma perturbação obsessiva compulsiva, considerando a existência de pensamentos intrusivos que levam a compulsões, neste caso comportamentos sexuais repetitivos, com o objetivo de dissipar o malestar gerado pelas obsessões. Tem sido também amplamente disseminada a ideia de que esta será uma perturbação aditiva, caraterizada pela escalada de comportamentos, sintomas de craving e de abstinência, bem como disfuncionalidade na gestão do tempo e atividades quotidianas, com dificuldade em reduzir ou parar as atividades sexuais. A evidência científica recente não sustenta a existência de “adição sexual”, diagnóstico que foi rejeitado pela OMS e pela DSM-5. Muitas das pessoas que procuram apoio psicoterapêutico não cumprem os critérios de diagnóstico proposto pela CID-11, sendo que o seu sofrimento deve continuar a merecer atenção. Frequentemente, procuram este apoio devido ao mal-estar psicológico que apresentam, e que poderá manifestar-se de diversas formas, como, por exemplo, através de sintomatologia depressiva e/ou ansiosa ou consumo de substâncias. As queixas apresentadas deverão ser formuladas como sintomas que refletem problemáticas subjacentes, para as quais existem modelos de intervenção psicoterapêutica e psicossexual, devendo evitar-se a patologização destes comportamentos sexuais. Numa primeira fase de avaliação é importante a realização de um diagnóstico diferencial, que permita distinguir entre comorbilidades e outros transtornos que tenham o comportamento sexual compulsivo como sintoma, tais como algumas perturbações neuropsiquiátricas. Atualmente, existem modelos psicoterapêuticos integrativos e sex-positive que poderão nortear a prática clínica, como é o caso do modelo de Braun-Harvey e Vigorito (2016) ou do modelo das três fases de Silva Neves (2021). Os modelos de intervenção baseados no conceito de adição sexual são tendencialmente problemáticos, uma vez que encorajam o evitamento sistemático de estímulos sexuais como forma de atenuar os comportamentos sexuais, levando à repressão de aspetos saudáveis e fundamentais da sexualidade humana. O conhecimento sobre o Modelo de Controlo Dual (Bancroft & Janssen, 2009) poderá ajudar numa fase de psicoeducação. Embora de forma muito simplificada, enquadrar as dificuldades apresentadas como resultantes do equilíbrio de mecanismos neurofisiológicos de excitação e de inibição sexual, poderá ajudar a uma maior compreensão por parte do/a cliente. A este propósito, fará sentido consultar as Escalas de Inibição Sexual e Excitação Sexual, validadas para a população portuguesa (Quinta Gomes et al. 2018). Ainda no que diz respeito à intervenção, poderá ser necessário a articulação entre várias especialidades médicas, e o recurso a diversas abordagens psicoterapêuticas, nomeadamente terapia individual e terapia de casal ou familiar, dado o impacto negativo que esta perturbação tem nos relacionamentos interpessoais.
Abaixo deixamos alguns documentos de acesso aberto, que poderão ser úteis:
ICD-11 for Mortality and Morbidity Statistics (who.int)
ICD-11 for Mortality and Morbidity Statistics (who.int)
AASECT Position on Sex Addiction | AASECT:: American Association of Sexuality Educators, Counselors and Therapists
Bőthe, B., Koós, M., Nagy, L., Kraus, S. W., Demetrovics, Z., Potenza, M. N., …Vaillancourt-Morel, M-P. (submitted). Compulsive sexual behavior disorder in 43 countries: Insights from the International Sex Survey and introduction of standardized assessment tools. Lancet Psychiatry.
https://osf.io/4yfrz/?view_only=bd924feb5d8b4829a3058f4e81a726ea
Hypersexuality and High Sexual Desire: Exploring the Structure of Problematic Sexuality | The Journal of Sexual Medicine | Oxford Academic (oup.com)
Prause et al. (2017). Data do not support sex as addictive. The Lancet. Correspondence, 4 [Available Online]: www.thelancet.com/psychiatry
Quinta Gomes, A.L., Janssen, E., Santos-Iglesias, P., Pinto-Gouveia, J., Fonseca, L.M., & Nobre, P.J. (2018) Validation of the Sexual Inhibition and Sexual Excitation Scales (SIS/SES) in Portugal: Assessing Gender Differences and Predictors of Sexual Functioning, Archives of Sexual Behaviour, 47, 1721-1732. https://doi.org/10.1007/s10508-017-1137-8
Bibliografia utilizada de acesso restrito
Bancroft, J., Graham, C. A., Janssen, E., & Sanders, S. A. (2009). The dual control model: Current status and future directions. Journal of sex research, 46(2-3), 121-142. Braun-Harvey, D. and
Vigorito, A.M. (2016). Treating out of control sexual behavior: rethinking sex addiction. New York: Springer Publishing Company.
Neves, S. (2021). Compulsive Sexual Behaviours: A Psycho-Sexual Treatment Guide for Clinicians. New York, NY, Abingdon, Oxon: Routledge, Taylor & Francis
A população idosa que se identifica como lésbica, gay, bissexual, trans (LGBT+) ou outra minoria sexual apresenta desafios excecionais no contexto de saúde, incluindo elevada incidência de problemáticas de saúde mental. Estes desafios associam-se, em grande parte, à cumulativa estigmatização e discriminação ao longo do ciclo de vida. Diversos modelos clínicos e psicossociais indicam a importância dos processos de afirmação identitários e de inclusão no sentido de combater o duplo estigma (estigma sexual e idadismo), a invisibilidade, e os diversos problemas de saúde mental vivenciados por estes idosos.
Neste sentido, o Centro Americano de Recursos sobre Envelhecimento LGBT publicou, em 2020, um relatório que pretende incluir um conjunto de diretrizes aplicadas com vista a promover a prática clínica e psicossocial inclusiva e de afirmação da identidade sexual em idosos LGBT+. O relatório resulta do conhecimento baseado na evidência a partir de 18 organizações com experiência sólida no trabalho clínico a psicossocial com idosos LGBT+. Este documento pode ser consultado aqui:
https://www.lgbtagingcenter.org/resources/pdfs/Sage_GuidebookFINAL1.pdf
https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/19585969.2022.2134739
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9872540/