O sexo e a comunidade #1 – Sydney Fernandes, e “Até que o porno nos separe”
O sexo e a comunidade é uma rubrica nova no site da SPSC. Pessoas das mais diversas áreas de especialização e intervenção são convidadas a pensar um assunto relacionado com as nossas vivências da intimidade.
Sydney Fernandes é protagonista do filme documentário Até que o porno nos separe (realizado por Jorge Pelicano e produzido por Até ao fim do mundo). Ator porno português premiado (nome artístico Fostter Riviera): Prémio Pride Bar in 2007 (Porto); Best Versatile Actor and Best Hunk Film at Hustlaball Awards, Berlin, 2014; Best International Actor GayPornAwards, Madrid, 2016 e Best International Actor of the Ninfa Awards, Barcelona, 2017.
Até que o porno nos separe / Sinopse
Eulália, uma mãe de 65 anos, católica e conservadora, descobriu através da internet que o seu filho, emigrante na Alemanha, tornou-se no primeiro actor porno gay português premiado internacionalmente: Fostter Riviera. O computador e o Facebook como única forma de comunicação com o filho, Eulália começa uma longa jornada emocional de tentativa de aproximação ao filho, que a levará a interpretar de forma diferente suas expectativas como mãe e os valores com que foi criada.
Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica – Este filme teve algum efeito transformador em si?
Sydney Fernandes – Sim, teve e na positiva! Não é fácil confiar a nossa vida, os nossos medos, expor a nossa sexualidade a quem não conhecemos. Quando o realizador Jorge Pelicano me abordou, tive a sensação que podia confiar nele. Sempre tratou de tudo com muito cuidado, com respeito, e foi assim que os deixei entrar na minha vida mais secreta, e desvendar todos os mitos. Acabei por me aperceber que a minha postura em relação à família estava errada e que não deveria me esconder. O facto de ter iniciado esta aventura com o Jorge e ter dado asas a que a minha Mãe a partilhasse do outro lado da Europa, acabou por me fazer aprender muito, por me conectar mais com os que amo, e até a respeitar mais as minhas relações sexuais.
SPSC – Encontra preconceito e discriminação, no seu quotidiano, por ser ator porno? Como sente estas reações?
SF – Nem sempre é fácil. Acabamos por estar sempre debaixo da sigla NSFW (Not Safe for Work). Mas isso nunca me bloqueou em nada. Na verdade, nunca me expus muito no mundo de trabalho dito ‘normal’. Os meus superiores [em trabalhos ditos normais] ficavam sempre a saber por mim [da minha atividade como ator porno], mas só depois de ter mostrado as minhas qualidades como trabalhador, quando já podiam fazer a melhor escolha.
No mundo gay e nas minhas relações sociais sempre foi um pouco mais complicado. Ao principio muitos gostam, mas acabam por não saber lidar com a exposição, e com toda a agitação que este tipo de mediatismo traz. Às vezes as reações são duríssimas. Acabamos por ser catalogados na nossa própria sociedade e por perder uns quantos amigos mais materialistas. Dói um pouco. Acabei por me ir habituando. Não deixo que me julguem de inicio. Mas asseguro que essa é uma luta constante. Se for a um jantar de amigos vou estar sempre com a preocupação: será que já sabem que sou ator porno? o que pensarão de mim? Acabo por fazer piadas e contar historias de forma a desmistificar o tema.
SPSC – Partindo da sua experiência como ator porno, o que lhe parece que é importante dizer à comunidade de especialistas que lidam direta ou indiretamente com as questões da sexualidade (médicos de família, urologistas, ginecologistas, psiquiatras, psicólogos, outros)?
SF – Finalmente uma pergunta por que tenho lutado imensamente. Há um estigma gigante relacionado à visita a um urologista e com os usos abusivos dos Kamagras e dos Viagras. Os jovens de hoje estão tão viciados no Instagram como na sua performance sexual. E claro, da mesma forma que usam exageradamente os filtros das redes sociais, também usam estes comprimidos que acabam por arranjar no mercado negro. Recebo imensas mensagens de jovens que querem aumentar o pénis ou querem saber como mantê-lo ereto mais tempo, ou até como aumentar a ejaculação. De certa forma, tento sempre explicar que a visita a um urologista é uma coisa banal e agradável, e que só estes especialistas os podem ajudar. Tento promover estes encontros ao máximo, no entanto, a resposta é quase sempre a mesma: “Mas eu não tenho nenhum problema”. A ligação dos especialistas e estas questões está na base da confusão. Já agora, que estamos na pergunta do ano, a questão é: estarão os profissionais de saúde em Portugal preparados para tratar este tipo de questões? E das relacionadas com a identidade de género? E dos testes, e das medicações, e de todas aquelas que exigem imenso sigilo, mas estão associadas a uma ala do hospital que todos sabem o que significa? Aqui, em Amesterdão, há uma espécie de centro chamado GGD, dedicado a consultas de infecções, e pelo facto de misturarem HIV com Gripes, acaba por evitar marcar os visitantes. Deixa-os protegidos. Sentem que ninguém vai desconfiar do motivo da visita. Se calhar é tempo de abordar os assuntos de forma banal, sem classificações de doença ou problema. Precisamos abrir esta discussão enquanto hábito social. Na Holanda (assim como na Alemanha), é hábito fazer testes a cada 3 meses, e não só para Infecções Sexualmente Transmissíveis, mas para todo o tipo de pesquisas, acabando por ser possível controlar os nossos escapes um pouco mais.