Dor Pélvica Crónica: uma condição ainda invisível
A dor pélvica crónica é uma condição que afeta milhões de mulheres por todo o mundo, atualmente. Sabia que, uma em cada quatro mulheres, sofre com este tipo de dor? Ainda assim, apesar da sua prevalência alta e do peso que isto representa a nível individual e coletivo, esta condição permanece pouco estudada, pouco reconhecida na comunidade médica e na população geral, subfinanciada em termos de investigação científica, deixando-a numa espécie de nuvem de invisibilidade.
Define-se como uma dor persistente percebida nas estruturas da pélvis e está frequentemente associada a consequências negativas a nível cognitivo, comportamental, sexual e emocional. Ou seja, este tipo de condição traz consequências negativas em várias dimensões da vida da pessoa com dor. Esta pode, ainda, traduzir-se em disfunções com sintomas urinários, sexuais, intestinais, do pavimento pélvico ou ginecológicas.
Afetando uma grande fatia da população feminina mundial, estamos perante uma epidemia invisível e silenciosa. Silenciosa, porque ainda existem inúmeras barreiras, tanto da parte da própria pessoa com dor, como dos profissionais ou sistema de saúde no seu reconhecimento, diagnóstico, tratamento adequado e intervenção.
Deste modo, é importante reconhecermos as barreiras existentes, para que as possamos ultrapassar. Muitas vezes, esta invisibilidade acaba por ser perpetuada devido a questões como:
- Crenças culturais e estigma social: a normalização da dor ou desconforto é ainda comum e isto pode levar à minimização ou desvalorização deste tipo de dor. A crença de que “ter dor é normal” ou “natural” (quer sexual, quer pélvica), pode levar a que se perpetuem ciclos de dor e até agravamento da intensidade e/ou sintomas da dor ao longo do tempo, assim como a uma ausência de pedido de ajuda, baseados nesta falsa crença.
- Emoções negativas em torno da saúde sexual e reprodutiva: a vergonha, o desconforto ou constrangimento em falar sobre temas ligados à sexualidade (como a dor sexual ou os sintomas genitais), pode ser um bloqueio no pedido de ajuda. Existe ainda algum tabu e vergonha ligados aos temas do sexo, da sexualidade, dos genitais como “herança cultural” e histórica. Também o medo do julgamento pode estar por detrás de um pedido de ajuda por parte da pessoa com dor.
- Limitações dos profissionais de saúde: a falta de formação dirigida e adequada, o desconhecimento sobre os quadros de dor e/ou os preconceitos e estigma sobre os temas da sexualidade, podem levar a atrasos no diagnóstico de dor pélvica crónica ou, até mesmo, conduzir a tratamentos inadequados e/ou práticas desnecessárias ou prejudiciais.
Os estudos mostram, ainda, que apenas cerca de 40% das mulheres com dor pélvica crónica pede ajuda médica e, desta percentagem, muitas nunca são referenciadas para um especialista. Acresce que cerca de 50% não recebe terapia adequada para a condição de dor. Ao refletirmos sobre este tema, facilmente percebemos que a balança fica desequilibrada quando mais de metade das pessoas com dor pélvica não pede ajuda e, por consequência, não está a receber o tratamento e intervenção adequados.
Como podemos mudar este paradigma?
- Criar consciência para abordagens centradas na pessoa com dor, por forma a promover redes de apoio consistentes e fidedignas;
- Informar e empoderar pessoas com dor pélvica crónica para que expressem as suas dificuldades e as suas experiências de dor junto de profissionais de saúde;
- Validar a dor, o sofrimento, os sintomas negativos e as consequências da vivência de dor nas várias esferas da vida da pessoa (que dela sofre);
- Incentivar a participação das pessoas com dor pélvica crónica em investigação sobre o tema;
- Promover a abertura por parte da comunidade médica e técnica aos testemunhos e partilhas das vivências de dor por forma a desenvolver ferramentas de diagnóstico inovadoras, tratamentos mais eficazes e políticas mais adequadas na melhoria dos cuidados na dor pélvica;
- Priorizar o tratamento transdisciplinar na pessoa com dor pélvica crónica, com abordagens multifacetadas e complementares, em áreas como a ginecologia, a fisioterapia pélvica, a sexologia clínica, a urologia, medicina da dor, entre outras;
- Promover informação sobre a dor pélvica crónica e a literacia do corpo;
- Desmistificar falsas crenças, desinformação ou mitos sobre o pavimento pélvico, sexualidade ou intervenções/tratamentos;
- Oferecer tratamentos psicológicos adequados para reduzir ou tratar a disfunção sexual decorrente deste tipo de dor;
- Oferecer respostas de tratamento em fisioterapia pélvica por forma a melhorar a qualidade de vida e a função sexual da pessoa com dor pélvica;
- Oferecer tratamento psicológico a par do tratamento físico na prevenção e tratamento dos quadros depressivos e/ou ansiosos derivados deste diagnóstico, que promovam estratégias de coping úteis e eficazes na redução de sintomatologia negativa a nível individual e relacional.
Por fim, não esquecer que pessoas com dor pélvica crónica desempenham um papel fundamental na mudança deste cenário invisível. Que as pessoas com dor pélvica crónica não “fiquem de fora”, com vista à melhoria desta condição, procurando ajuda e falando sobre as suas vivências. Que os profissionais de saúde “queiram saber”, estudando/procurando formação especializada, perguntando, escutando atentamente e encaminhando as pessoas com estas queixas.
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